quarta-feira, 27 de maio de 2009

Amor em paz - Vinicius de Moraes





Amor em paz


Eu amei

Eu amei, ai de mim, muito mais

Do que devia amar

E chorei

Ao sentir que iria sofrer

E me desesperar

Foi então

Que da minha infinita tristeza

Aconteceu você

Encontrei em você a razão de viver

E de amar em paz

E não sofrer mais

Nunca mais

Porque o amor é a coisa mais triste

Quando se desfaz



Soneto do amor maior - Vinicius de Moraes





Soneto do amor maior


Maior amor nem mais estranho existe

Que o meu, que não sossega a coisa amada

E quando a sente alegre, fica triste

E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste

O amado coração, e que se agrada

Mais da eterna aventura em que persiste

Que de uma vida mal aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere

E quando fere vibra, mas prefere

Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante

Desassombrado, doido, delirante

Numa paixão de tudo e de si mesmo.



É assim que te quero - Pablo Neruda





É assim que te quero


É assim que te quero, amor,

assim, amor, é que eu gosto de ti,

tal como te vestes
e como arranjas

os cabelos e como
a tua boca sorri,

ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,

é assim que te quero, amada,

Ao pão não peço que me ensine,

mas antes que não me falte

em cada dia que passa.

Da luz nada sei, nem donde

vem nem para onde vai,

apenas quero que a luz alumie,

e também não peço à noite explicações,

espero-a e envolve-me,

e assim tu pão e luz
e sombra és.

Chegastes à minha vida

com o que trazias,

feitade luz e pão e sombra, eu te esperava,

e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,

e os que amanhã quiserem ouvir

o que não lhes direi, que o leiam aqui

e retrocedam hoje porque é cedo

para tais argumentos.

Amanhã dar-lhes-emos apenas

uma folha da árvore do nosso amor, uma folha

que há-de cair sobre a terra

como se a tivessem produzido os nosso lábios,

como um beijo caído

das nossas alturas invencíveis

para mostrar o fogo e a ternura

de um amor verdadeiro.


Ternura - Vinicius de Moraes




Ternura


Eu te peço perdão por te amar de repente

Embora o meu amor

seja uma velha canção nos teus ouvidos

Das horas que passei à sombra dos teus gestos

Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos

Das noites que vivi acalentando

Pela graça indizível

dos teus passos eternamente fugindo

Trago a doçura

dos que aceitam melancolicamente.

E posso te dizer

que o grande afeto que te deixo

Não traz o exaspero das lágrimas

nem a fascinação das promessas

Nem as misteriosas palavras

dos véus da alma...

É um sossego, uma unção,

um transbordamento de carícias

E só te pede que te repouses quieta,

muito quieta

E deixes que as mãos cálidas da noite

encontrem sem fatalidade

o olhar estático da aurora.


Quero apenas cinco coisas - Pablo Neruda


Quero apenas cinco coisas..


Primeiro é o amor sem fim

A segunda é ver o outono

A terceira é o grave inverno

Em quarto lugar o verão

A quinta coisa são teus olhos

Não quero dormir sem teus olhos.

Não quero ser... sem que me olhes.

Abro mão da primavera para que continues me olhando.


SONETO DO AMOR TOTAL - Vinicius de Moraes



Soneto do Amor Total


Amo-te tanto, meu amor ... não cante

O humano coração com mais verdade ...

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre diversa realidade.


Amo-te afim, de um calmo amor prestante

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.


Amo-te como um bicho, simplesmente

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.


E de te amar assim, muito e amiúde

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude


As sem-razões do Amor - Carlos Drummond de Andrade



As sem-razões do amor




Eu te amo porque te amo,


Não precisas ser amante,


e nem sempre sabes sê-lo.


Eu te amo porque te amo.


Amor é estado de graça


e com amor não se paga.


Amor é dado de graça,


é semeado no vento,


na cachoeira, no eclipse.


Amor foge a dicionários


e a regulamentos vários.


Eu te amo porque não amo


bastante ou demais a mim.


Porque amor não se troca,


não se conjuga nem se ama.


Porque amor é amor a nada,


feliz e forte em si mesmo.


Amor é primo da morte,


e da morte vencedor,


por mais que o matem (e matam)


a cada instante de amor.





Não deixe o amor passar - Carlos Drummond de Andrade



NÃO DEIXE O AMOR PASSAR

Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d’água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.

Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente: O Amor.

Por isso, preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O AMOR

O amor comeu meu silêncio, meu medo da morte...



Os Três Mal-Amados


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato.

O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço.

O amor comeu meus cartões de visita.

O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas.

O amor comeu metros e metros de gravatas.

O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus.

O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas.

Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X.

Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia.

Comeu em meus livros de prosa as citações em verso.

Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete.

Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa.

Bebeu a água dos copos e das quartinhas.

Comeu o pão de propósito escondido.

Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas.

O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras.

Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade.

Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré.

Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia.

Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas.

Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam.

Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta.

Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra.

Meu dia e minha noite.

Meu inverno e meu verão.

Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.


MINHA NAMORADA




Se você quer ser minha namorada

Ai, que linda namorada

Você poderia ser

Se quiser ser somente minha

Exactamente essa coisinha

Essa coisa toda minha

Que ninguém mais pode ser

Você tem que me fazer um juramento

De só ter um pensamento

Ser só minha até morrer

E também de não perder esse jeitinho

De falar devagarzinho

Essas histórias de você

E de repente me fazer muito carinho

E chorar bem de mansinho

Sem ninguém saber porquê

E se mais do que minha namorada

Você quer ser minha amada

Minha amada, mas amada pra valer

Aquela amada pelo amor predestinada

Sem a qual a vida é nada

Sem a qual se quer morrer

Você tem que vir comigo

Em meu caminho

E talvez o meu caminho

Seja triste pra você

Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos

E os seus braços o meu ninho

No silêncio de depois

E você tem que ser a estrela derradeira

Minha amiga e companheira

No infinito de nós dois.


Autores: Carlos Lyra e Vinicius de Moraes
e Carlos Lyra